sábado, 10 de abril de 2010

Conto nº 2



            Ele chegou como todos os dias, cada vez mais cansado e mais rico. Seu apartamento de luxo – uma cobertura – fica no lugar mais caro e invejado da cidade, de frente para o Atlântico. Ainda com a pasta em uma das mãos olhou em volta e novamente só viu o vazio e a presença fria da mobília cara e moderna. A pasta teve o destino de todas as peças que tem pouca importância, ficando ali mesmo, sobre uma das poltronas. Enquanto se deslocava pelo apartamento as luzes o recepcionavam automaticamente como num palco de teatro. Acendia e apagavam conforme saia dos ambientes. A parte de cima do terno ficou por ali mesmo, no chão. Por um tempo ele desapareceu para logo reaparecer na sala, invadida pela luz de fora, da cidade e da lua. Deu uma olhadela pelo imenso janelão. Deixou-o com abertura suficiente para passar a brisa que naquela noite de primavera estava leve e fria. Resolveu tirar a gravata ao mesmo tempo em que lançava para longe os sapatos. Procurou com seu olhar a melhor poltrona e num segundo deixou-se cair sobre ela, afundando. Era sexta-feira.
            Empresário, rico, cobiçado por muitas mulheres... e só. Era o dia de seu aniversário. Trabalhou normalmente para chegar em casa sem ter um programa se quer para fazer. Recusara todos que chegaram até ele durante todo dia. Queria ficar só.
            - Mas é seu aniversário! Diziam todos.
            - Quero ficar só! Respondia e observava o olhar de desaprovação dos colegas.
            Sim, muitos colegas. Na empresa, fornecedores, clubes e restaurantes. Um nível de envolvimento raso, como um pires. Amigos? Há tempos que não os tinha. Deixara-os todos no passado. Parece que os havia substituído pelo sucesso e pelo dinheiro. O alarme do relógio, marcando nove da noite o tirou daqueles devaneios. Mas os quadros e molduras fixos na parede a sua frente o lançou de volta ao mundo enevoado dos pensamentos. Fotografias, diplomas, condecorações e títulos. Estava tudo ali, sua vida, seus sonhos e pesadelos. De que lhe adiantava tudo aquilo se no dia de seu aniversário estava só? Lembrou-se de uma frase do seu cantor preferido: Frank Sinatra.
             - Um homem não está só se tem uma garrafa de Jack Daniels! – falou em voz alta. Sim, era mais ou menos isso. E como não suportava as bebidas destiladas levantou-se preguiçoso e foi até a cozinha onde dentro da geladeira, uma garrafa de vinho o esperava.
            Souvignon Cabernet, safra 1998.
- Espero que você tenha valido o preço! – disse encarando a garrafa.
Num piscar de olhos, já sem a rolha, a nobre bebida deixava a sala com um aroma sedutor e repousava na taça de cristal. Caminhou novamente até a poltrona, mas desta vez sentou-se com calma para proteger o líquido encarnado.
Um, dois, três goles e os pensamentos insistiam. Pior, se intensificavam.
Dois casamentos fracassados. Filhos distantes, mimados e arrogantes. Culpa sua – pensava.
 Só Sophia demonstra carinho por mim. Falou para se convencer. Mas ela estava longe naquela hora. Procurou o celular para ler novamente a mensagem que a filha havia lhe mandado. Mas não encontrou.
A garrafa já estava meia e novamente o despertar do seu relógio o tirou daquele transe. O silêncio, seu velho companheiro há meses começava a incomodar. Foi até seu notebook, ligou-o e buscou o arquivo de músicas. Parou o cursor e selecionou a pastaS.I.N.A.T.R.A
Eram centenas de músicas do Old Blue Eyes, mas foi direto a letra I. Lá estava ela. Um toque apenas e a sala foi invadida por uma melodia triste e soturna. Os acordes iniciais foram suficientes para voltar a sua poltrona, encher a taça novamente e escutar a voz inconfundível sussurrar

                       In the wee small hours of the morning
While the whole wide world is fast asleep
You lie awake and think about the girl
          And never ever think of counting sheep


Nunca teve tanto medo de encarar uma nova manhã. Um novo dia. As mesmas pessoas. A mesma rotina.

Tomou o resto do vinho. Desabotoo a camisa até a altura da barriga, desafivelou o cinto e fechou os olhos. A sequência sinatriana continuou. Em sua cabeça cansada e quase totalmente governada pelo álcool ia repassando o rosto das mulheres que dariam qualquer coisa para amanhecer com ele na cama. Mas não conseguia achar nenhuma que valesse à pena. Lembrou de suas ex-esposas. Novamente de seus filhos. Do que passara para chegar até ali. Conquistara dinheiro, fama, liberdade e respeito. Mas também ciúmes, invejas, decepções, mágoas e, mais recentemente, solidão.

Ao mesmo tempo em que deu seu maior suspiro, aquele que se dá quando não acreditamos em mais nada, uma lágrima riscou seu rosto marcado e misturou-se ao resto de vinho que mantinha no canto da boca úmida.

Abandonou-se, assim, com os olhos fechados, na confortável e fria poltrona. Novamente seu relógio obedeceu ao tempo e marcou uma nova hora. Porém, fracassou em ter atenção.

Na sala, ainda embriagada pelo vinho e pela luz fria da lua, Sinatra, numa perfeita voz de barítono, relembrava seus bons anos,

When I was seventeen
It was a very good year
It was a very good year for small town girls
And soft summer nights
We'd hide from the lights
On the village green
When I was seventeen

Um comentário:

  1. Olá, passei por aqui para conhecer o seu blog e aproveitando o ensejo, li esse conto. Você descreve bem a rotina e a solidão de um homem rico. Muitos conquistam fama, poder, mas no fundo se sentem sozinhos, abandonados... porque na realidade, pessoas assim sempre desconfiam das intenções das outras, e não os recrimino, pois você nunca sabe se você tem um amigo de verdade ou um abajulador, um interesseiro... É muito difícil dosar todas as conquistas ao mesmo tempo. Mas, parafraseando Caetano Veloso: "Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é"!!! Um abraço.

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