quarta-feira, 21 de abril de 2010

DETALHES ... pequenos ou não!

CRÔNICA

SAUDADES DOS OLHOS AZUIS
Não pense que vou escrever sobre um amor
não correspondido, tipo novela mexicana. Vou
escrever sobre um amor, mas um amor à arte de
cantar e a de ouvir, porque não?
Hoje, dia 14 de maio, comemora-se o
aniversário da morte – comemorar o aniversário
da morte!? – de um dos maiores cantores deste
velho e maltratado mundo.
Bem, não sabem ainda de quem falo? Talvez
vocês não saibam nada sobre a história da música
ocidental dos anos 40 para cá. Está certo,
ninguém é obrigado a saber; mas todos aqueles
que apreciam a boa música – pois só existem
dois tipos de música, a boa e a ruim – devem ter
o discernimento para saber quem é o mocinho
ou quem é o vilão no mundo da arte. Ok, ok, já
chega de rodeios. Estou falando de Francis Albert
Sinatra, o velho e bom Frank!
Garoto pobre, de um bairro pobre (Hoboken)
em Nova Jersey, Estados Unidos. Sabe como é,
aquela velha história de começar do nada e
brilhar para o mundo.
Era fã do maior cantor na sua época (Bing
Crosby) e sonhava em cantar como ele. Depois
de assistir a um de seus shows decidiu que não
poderia ser outra coisa na vida além de cantor, e
foi à luta. Deu no que deu. Foi um dos maiores
vendedores de discos e conquistador de mulheres
(sim, elas: Marilyn Monroe, Ava Gardner,
GraceKelly, Mia Farrow, etc e etc... quer mais!?),
principalmente no auge dos anos 50, época que
a sétima arte tinha mais estrelas que o céu do
interior de Goiás. Mas isso é uma outra história.
Para falar sobre Sinatra seriam necessárias
muitas linhas, folhas, livros. Vamos então
aproveitar o The Voice, pois ouvir Sinatra é
melhor que falar sobre Sinatra. É presentear, em
um primeiro momento o ouvido e, no segundo,
a alma, já que era com ela que ele cantava. Então
só resta lamentar sua partida e dizer que desde
maio de 1998, o mundo ficou – e continua, para
azar dos amantes da boa música – mais
desafinado.

SAIGON ...fica bem alí!

domingo, 18 de abril de 2010

WHAT A WONDERFUL WORLD ...oh, yes!

CRÔNICA

FALANDO, ASSIM, MEIO SOLTO....
NÃO TÔ NEM AÍ! EU QUERO É ESCREVER,
ASSIM MESMO, COM LETRAS MAIÚSCULAS,
GARRAFAIS. TÔ CANSADO! TÔ CHEIO!! VIDA
BURGUESA. BURGUESA?! EU QUERO É
ESCREVER, PÔR PRA FORA. ABRIR... NÃO, ABRIR
NÃO. ARROMBAR AS COMPORTAS DA EMOÇÃO!
JOGAR FORA O LIXO DO “TER”. QUERO GRITAR,
SOLTAR AS AMARRAS DE SE ESTAR SENTADO
EM UMA CADEIRA, EM UM ESCRITÓRIO. PARA
QUÊ GANHAR A VIDA E PERDER A LIBERDADE
DA ALMA? PARA QUÊ?!! EU QUERO É CANTAR O
AMOR, TOCAR UM INSTRUMENTO MÚSICAL,
FAZER AMOR, BEIJAR AS BOCAS QUE NÃO POSSO
BEIJAR, AMAR OS CORPOS QUE NÃO POSSO
AMAR. E SENTIR VOCÊ... QUEM? NÃO SEI. É,
VOCÊ! FORA TODO O TIPO DE CENSURA DA
ALMA, DA MENTE E DO CORPO. “TENHO ANDADO
DISTRAÍDO, IMPACIENTE E INDECISO...” PÔ PAI,
CADÊ AS FOTOS DA MINHA TURMA DA RUA,
CADÊ NOSSOS DISCOS DE VINIL DA LEGIÃO??
EU QUERO UM AMOR MELHOR, EU QUERO
GRITAR! “LIVRE, NASCI COMO A BRISA QUE AS
PRAIAS ALISA E ENCRESPA AS ONDAS DO MAR”.
VIVA O QUE É LÍRICO: O VENTO, AS FLORES, O MAR E AS
ESTRELAS. “ELES PODEM MATAR AS FLORES,
MAS NÃO PODEM DETER A PRIMAVERA”. E EU,
POSSO O QUÊ? NÃO DESCOBRI AINDA O QUE
EU POSSO E O QUE NÃO POSSO, MAS ESTOU
PERTO, MUITO PERTO. ÀS VEZES TENHO MEDO
DA FORÇA NUCLEAR DESSA DESCOBERTA,
DESSE ENCONTRO COMIGO MESMO, FACE-AFACE
COM O ESPELHO. AMIGOS ME DEÊM AS
MÃOS, OS BRAÇOS E OS ABRAÇOS E VAMOS
PULAR DESTA REALIDADE DISFORME PARA A
PERFEIÇÃO DE SERMOS O QUE PODEMOS SER.
VAMOS IR PRA NUNCA MAIS VOLTAR, VAMOS
FAZER COMO FEZ CORTÊZ E QUEIMAR NOSSOS
NAVIOS... AH, COMO É BOM ESCREVER!
OBRIGADO MINHA LÍNGUA, MINHA ESCRITA,
MEU VOCABULÁRIO E A TODOS OS LIVROS QUE
EU LÍ, AOS DISCOS QUE EU OUVI, ÀS BOCAS
QUE EU TOQUEI, AOS CORPOS QUE EU AQUECI,
AOS SONHOS QUE TIVE E DE TODOS OS
ARREPENDIMENTOS QUE DEIXEI DE TER.
TAMBÉM DOU VIVAS À SOLIDÃO QUE TANTAS
VEZES ARROMBOU A PORTA DA MINHA
PERCEPÇÃO, DO MEU CORAÇÃO, DA MINHA
ILUSÃO, DA MINHA GERAÇÃO.
A TODOS, O MEU MUITO OBRIGADO!

MOÇA ...leva meu coração!

sexta-feira, 16 de abril de 2010

YESTERDAY ...sempre!

CRÔNICA

TEMPO
Entender o Tempo. Entender o tempo?! O
tempo não se entende, se vive, se sente.
Pergunte ao jovem que, por um segundo perde
o ônibus que o levaria ao primeiro encontro com
a primeira namorada. Pergunte sobre o tempo a
um velho que, sentado na calçada, contempla
uma pelada de futebol dos meninos da rua.
Pergunte também à jovem que, recebendo o
exame positivo de sua gravidez, já começa a
confeccionar o primeiro sapatinho de lã.
O tempo é sublime quando se toma uma
taça do melhor sorvete ao lado da melhor pessoa.
O tempo é um carrasco quando a mesma pessoa
acima vê o melhor sorvete derreter enquanto
espera a melhor pessoa chegar, e ela não vêm.
O tempo, como afirmava Einstein, é relativo.
Nos braços do seu amante, a mulher viaja por
todas as constelações enquanto o gozo percorre
cada célula do seu corpo. O amante, no entanto,
é atacado por uma única descarga de energia,
que em segundos se desfaz.
Para os teólogos, mil anos não passam de
um sopro para Deus. Para muitos, um milênio
podem conter incontáveis vidas. Para um velho,
o tempo voa como um falcão, para um jovem, no
entanto, ele se arrasta como um verme qualquer.
Assim é o deus Cronos.
Entender tudo isso é só uma questão de
tempo.

CASINHA BRANCA ...mas pode ser amarela, também!

AS ROSAS NÃO FALAM ...será?

segunda-feira, 12 de abril de 2010

CRÔNICA

MESSEJANA DA PELE VERMELHA
Parece até que eu posso vê-la. Já vem tão
rápida quanto à ema selvagem, correndo e
saltando por entre as matas e lagoas que existiam
em toda a Messejana. O vento fresco assanhava
- mas só um pouquinho - os cabelos lisos e longos
da linda Iracema. Aliás, esse mesmo vento ainda
hoje passeia por entre as árvores do lugar;
árvores que respeitosamente dão, como naqueles
tempos, mangas, cajus, sirigüelas, cocos e
também a já muito cobiçada sombra para os dias
de muito sol.
Colher os frutos depois das pescarias e
caçadas eram, provavelmente, o que os primeiros
habitantes do lugar, irmãos de Iracema, deveriam
fazer. A tribo dos Tabajaras, a qual ela pertencia
- sob as bênçãos de Tupã e sob a pena de José
de Alencar - chamava aquela imensa área verde
de “a lagoa abandonada”, ou Messejana mesmo,
como diziam na língua tupí-guarani.
A lírica terra de bom clima do escritor José
de Alencar, continua lá. Sua lagoa abre as portas
para uma aldeia urbanizada com muito mais
concreto e asfalto que matas e cipós. Os gritos
selvagens, os cantos dos pássaros o barulho das
águas rasgadas pelas pirogas dos indígenas foram
trocados pelos roncos dos motores, pelos carros
de som e pelas vozes diversas dos vendedores
ambulantes, dos feirantes e de todo o povo que
escolheu o bairro para morar, trabalhar ou
apenas passar.
As praças, os becos, as ruas e as avenidas
cortam de norte a sul o grande bairro que já foi
município um dia. Seu comércio e suas indústrias
parecem que vão, dia-a-dia, convencendo e
acostumando os nossos olhos a uma paisagem
fria e cinzenta. Outrora, o mesmo lugar era
cortado pelos pés descalços cobertos de terra
vermelha de Cauby, Andiara e Irapuã, a mesma
terra que o progresso teima encobrir com fuligem
e cimento. O povo passa pra lá e pra cá, pelas
ruas, praças, feiras e pela vida de Messejana,
deixando um rastro de luta, de esperança, de
alegria e de energia. Para muitos que ali
depositam momentos de sua lenda pessoal,
Messejana continuará sendo o local onde a bela
pele vermelha de “cabelos mais negros que a
asa da graúna”, os espera, assim como espera o
seu amado Martin.
Hoje de fibra, aço e resina, aquecida pelo
sol e banhada pela lua e pelas águas da grande
lagoa, a boa índia está comportadamente sentada
sobre uma grande pedra. Está lá e permanecerá
saudando o povo que vai e volta, que passa por
suas terras e não pára; que flerta com ela, com
sua lagoa e com as matas que ainda restam.
Esse povo também é um pouco filho seu um
pouco Moacir; povo que leva nos traços tupíguaranis
- seja no corpo ou na alma - a beleza e
a pureza que também Messejana teima em
presentear.

sábado, 10 de abril de 2010

O CAVALEIRO SOLITÁRIO



...a mais bela voz do mundo!!

Mas que interessante! Passeando pela internet me deparei com este texto que trouxe pra cá retirado de um outro blog, o do jornalista Luis Nassif. É bom levar em conta o ano em que foi escrito, 1891. O autor, um dos grandes nomes da literatura mundial, o polêmico Oscar Wilde. O alvo da "penada" somos nós, os jornalistas.

“(…) Foi um dia fatal aquele em que o público descobriu que a pena é mais poderosa que as pedras da rua, e que seu uso pode tornar-se tão agressivo quanto o apadrejamento. Procurou imediatamente pelo jornalista, o encontrou e aperfeiçoou, e fez dele seu servo diligente e bem pago. É de lamentar por ambos. Atrás das barricadas, muito pode haver de nobre e heróico. Mas o que há por trás de um artigo de fundo senão preconceito, estupidez, hipocrisia e disparates? E esses quatro elementos, quando reunidos, adquirem uma força assustadora e constituem a nova autoridade.
Antigamente, os homens tinham a roda de torturas. Hoje tem a imprensa. Isso certamente é um progresso. Mas ainda é má, injusta e desmoralizante. Alguém – teria sido Burke? – chamou o Jornalismo de o quarto poder. Isso na época sem dúvida era verdade. Mas hoje ele é realmente o único poder. Devorou os outros três. Os Lordes temporais nada dizem, os Lordes espirituais nada tem a dizer, e a Câmara dos Comuns nada tem a dizer e o diz. Estamos dominados pelo Jornalismo. Nos Estados Unidos o Presidente reina por quatro anos e o Jornalismo governa para todo o sempre. Felizmente, nesse país, o Jornalismo levou sua autoridade ao extremo mais flagrante e brutal e, como decorrência lógica, começou a gerar um espírito de revolta: ou diverte ou aborrece as pessoas, conforme seu temperamento.
Mas deixou de ser a força real que era. Não é levado a sério. Na Inglaterra, o Jornalismo, com exceção de alguns poucos exemplos bem conhecidos, não tendo atingido estes excessos de brutalidade, permanece ainda um fator de grande significado, um poder realmente notável. Parece-me descomunal a tirania que ele se propõe exercer sobre nossas vidas privadas. O fato é que o público tem uma curiosidade insaciável de conhecer tudo, exceto o que é digno de se conhecer. O Jornalismo, ciente disso, e com vezos de comerciante, satisfaz suas exigências. Em séculos passados, o público expunha as orelhas dos jornalistas no pelourinho. O que era horrível. Neste século, os jornalistas ficam de orelha em pé atrás das portas. O que é ainda pior. O mal é que os jornalistas mais culpados não estão entre aqueles que escrevem para o que se chama de coluna social. O dano é causado pelos jornalista sisudos, graves e circunspectos que trarão, solenemente, como hoje trazem, para diante dos olhos do público, algum incidente na vida privada de um grande estadista, de um homem que é assim um lider do pensamento político como criador de força política. Convidarão o público a discutir o incidente, a exercer autoridade no assunto, a externar seus pontos de vista, e não somente a externá-los, mas a colocá-los em ação, a impô-los àquele homem sobre todos os outros argumentos, a impor ao partido e à nação dele; convidarão, enfim, o público a se tornar ridículo, agressivo e perigoso. A vida particular dos homens ou das mulheres não deveria ser revelada ao público. Este não tem nada absolutamente nada a ver com ela.
Na França há um controle maior nesses assuntos. Lá não se permite que pormenores dos julgamentos que se realizam nos tribunais de divórcio sejam divulgados para entreterimento ou crítica do público.
Tudo que se lhe permite saber é que houve o divórcio e que foi concedido a pedido de uma ou outra parte envolvida, ou de ambas. Na França, com efeito, limitam o jornalista, e concedem ao artista quase que completa liberdade. Aqui, concedemos liberdade absoluta ao jornalista e limitamos inteiramente o artista. A opinião pública inglesa, por assim dizer, procura tolher, cercear e submeter o homem que cria o Belo efetivamente, e compele o jornalista a recontar o factualmente feio, desagradável ou repulsivo; de modo que temos os mais sisudos jornalistas do mundo e os jornais mais indecentes. Não há exagero em se falar em compulsão. Há positivamente jornalistas que têm verdadeiro prazer em publicar coisas horríveis, ou que, por serem pobres, vêem nos escândalos uma fonte permanente de renda.
Mas não tenho dúvidas de que há outros jornalistas, homens de boa formação e cultura, a quem realmente desagrada publicar esse tipo de assunto, homens que sabem ser errado agir assim e, se assim agem, é apenas porque as condições doentias em que exercem sua profissão os obriga a atender o público no que o público quer, e a concorrer com outros jornalistas para que esse atendimento satisfaça o mais plenamente possível o grosseiro apetite popular. É uma posição muito degradante para ser ocupada por qualquer desses homens, e não há dúvida de que a maioria deles percebe isso sensivelmente.” (OSCAR WILDE, A Alma do Homem Sob o Socialismo, págs. 57/59, LP&M, 2003).
Pelo jeito, nada mudou... ou melhor, mudou sim, mas para pior!!
Acabei de assistir ao "Caçador de Pipas". Observando o nosso tempo e comparando com a bela história, percebi algumas coisas:

1 - a amizade sincera e pura, talvez tenha desaparecido dos corações, para sempre;

2 - a honra não tem mais espaço diante do "ter";

3 - sempre é tempo de mudar a si, para melhor.
PEGUEI-ME OLHANDO NO ESPELHO DO TEMPO
OUVI CLARINS E O REBOMBAR DOS TAMBORES
QUANTO ENGANO, ERA MEU CORAÇÃO
NO COMPASSO DA DERRADEIRA GUERRA

DE MIM CONTRA MIM MESMO

BATALHA INGLÓRIA
A VISÃO ERA EMBASSADA, AMARELADA
E RACHADA POR SONHOS E PESADELOS
VI-ME CALADO

FALANDO DE MIM PARA MIM MESMO

O SUOR RISCOU MEU ROSTO JÁ MARCADO
E ESCORREU EM MEU PEITO INTRICHEIRADO
SENTI-ME SÓ
ONDE ESTARIAM MEUS ANJOS? CANÇADOS?
FOI ENTÃO QUE TUDO ME VEIO COMO NUMA TEMPESTADE

E ME VI, SORRINDO, AO LADO DE MIM MESMO

Conto nº 2



            Ele chegou como todos os dias, cada vez mais cansado e mais rico. Seu apartamento de luxo – uma cobertura – fica no lugar mais caro e invejado da cidade, de frente para o Atlântico. Ainda com a pasta em uma das mãos olhou em volta e novamente só viu o vazio e a presença fria da mobília cara e moderna. A pasta teve o destino de todas as peças que tem pouca importância, ficando ali mesmo, sobre uma das poltronas. Enquanto se deslocava pelo apartamento as luzes o recepcionavam automaticamente como num palco de teatro. Acendia e apagavam conforme saia dos ambientes. A parte de cima do terno ficou por ali mesmo, no chão. Por um tempo ele desapareceu para logo reaparecer na sala, invadida pela luz de fora, da cidade e da lua. Deu uma olhadela pelo imenso janelão. Deixou-o com abertura suficiente para passar a brisa que naquela noite de primavera estava leve e fria. Resolveu tirar a gravata ao mesmo tempo em que lançava para longe os sapatos. Procurou com seu olhar a melhor poltrona e num segundo deixou-se cair sobre ela, afundando. Era sexta-feira.
            Empresário, rico, cobiçado por muitas mulheres... e só. Era o dia de seu aniversário. Trabalhou normalmente para chegar em casa sem ter um programa se quer para fazer. Recusara todos que chegaram até ele durante todo dia. Queria ficar só.
            - Mas é seu aniversário! Diziam todos.
            - Quero ficar só! Respondia e observava o olhar de desaprovação dos colegas.
            Sim, muitos colegas. Na empresa, fornecedores, clubes e restaurantes. Um nível de envolvimento raso, como um pires. Amigos? Há tempos que não os tinha. Deixara-os todos no passado. Parece que os havia substituído pelo sucesso e pelo dinheiro. O alarme do relógio, marcando nove da noite o tirou daqueles devaneios. Mas os quadros e molduras fixos na parede a sua frente o lançou de volta ao mundo enevoado dos pensamentos. Fotografias, diplomas, condecorações e títulos. Estava tudo ali, sua vida, seus sonhos e pesadelos. De que lhe adiantava tudo aquilo se no dia de seu aniversário estava só? Lembrou-se de uma frase do seu cantor preferido: Frank Sinatra.
             - Um homem não está só se tem uma garrafa de Jack Daniels! – falou em voz alta. Sim, era mais ou menos isso. E como não suportava as bebidas destiladas levantou-se preguiçoso e foi até a cozinha onde dentro da geladeira, uma garrafa de vinho o esperava.
            Souvignon Cabernet, safra 1998.
- Espero que você tenha valido o preço! – disse encarando a garrafa.
Num piscar de olhos, já sem a rolha, a nobre bebida deixava a sala com um aroma sedutor e repousava na taça de cristal. Caminhou novamente até a poltrona, mas desta vez sentou-se com calma para proteger o líquido encarnado.
Um, dois, três goles e os pensamentos insistiam. Pior, se intensificavam.
Dois casamentos fracassados. Filhos distantes, mimados e arrogantes. Culpa sua – pensava.
 Só Sophia demonstra carinho por mim. Falou para se convencer. Mas ela estava longe naquela hora. Procurou o celular para ler novamente a mensagem que a filha havia lhe mandado. Mas não encontrou.
A garrafa já estava meia e novamente o despertar do seu relógio o tirou daquele transe. O silêncio, seu velho companheiro há meses começava a incomodar. Foi até seu notebook, ligou-o e buscou o arquivo de músicas. Parou o cursor e selecionou a pastaS.I.N.A.T.R.A
Eram centenas de músicas do Old Blue Eyes, mas foi direto a letra I. Lá estava ela. Um toque apenas e a sala foi invadida por uma melodia triste e soturna. Os acordes iniciais foram suficientes para voltar a sua poltrona, encher a taça novamente e escutar a voz inconfundível sussurrar

                       In the wee small hours of the morning
While the whole wide world is fast asleep
You lie awake and think about the girl
          And never ever think of counting sheep


Nunca teve tanto medo de encarar uma nova manhã. Um novo dia. As mesmas pessoas. A mesma rotina.

Tomou o resto do vinho. Desabotoo a camisa até a altura da barriga, desafivelou o cinto e fechou os olhos. A sequência sinatriana continuou. Em sua cabeça cansada e quase totalmente governada pelo álcool ia repassando o rosto das mulheres que dariam qualquer coisa para amanhecer com ele na cama. Mas não conseguia achar nenhuma que valesse à pena. Lembrou de suas ex-esposas. Novamente de seus filhos. Do que passara para chegar até ali. Conquistara dinheiro, fama, liberdade e respeito. Mas também ciúmes, invejas, decepções, mágoas e, mais recentemente, solidão.

Ao mesmo tempo em que deu seu maior suspiro, aquele que se dá quando não acreditamos em mais nada, uma lágrima riscou seu rosto marcado e misturou-se ao resto de vinho que mantinha no canto da boca úmida.

Abandonou-se, assim, com os olhos fechados, na confortável e fria poltrona. Novamente seu relógio obedeceu ao tempo e marcou uma nova hora. Porém, fracassou em ter atenção.

Na sala, ainda embriagada pelo vinho e pela luz fria da lua, Sinatra, numa perfeita voz de barítono, relembrava seus bons anos,

When I was seventeen
It was a very good year
It was a very good year for small town girls
And soft summer nights
We'd hide from the lights
On the village green
When I was seventeen

AH, QUE SAUDADES DE UM BOM AMIGO DE VERDADE...

PROSA Nº 3

 Nº 3Morri há tanto tempo que nem me lembro mais
Só me recordo da Lua sobre nossas cabeças
E do seu cheiro, doce, suave e envolvente

Queria dormir nos braços da morte pra nunca mais acordar
Sentir que era possível voltar, ir e voltar novamente... e sempre
Como um super-homem que faz o tempo girar ao contrário           

Será possível? Não sei!
Só sei que ao seu encontro jamais podei ir
Somente sorrir de onde estou,
Contemplando daqui de baixo o que eu deixei
Aí em cima.