sexta-feira, 27 de maio de 2011

REPORTAGEM ESPECIAL

São Francisco é cearense
A rua que dá acesso ao Instituto Religioso Filhos da Pobreza do Santíssimo Sacramento é estreita e de terra batida, no bairro Passaré, em Fortaleza. Pareceria uma residência comum não fosse o Tau – símbolo franciscano – anunciando o lugar. As letras estilizadas não deixam dúvida: estamos na Toca de Assis.

Por Danilo Amaral – Pastoral da Comunicação
Para o jornal O Mensageiro da Glória
DENTRO DA TOCA
O sol iluminava bem o terreno onde estão a casa e algumas árvores frondosas. A construção, bem arejada e clara foi pensada para que o vento, por exemplo, circule à vontade. Depois, ficamos sabendo que tanto o terreno quanto a construção da residência vieram de doações de um grupo de empresários cearenses, há cerca de três anos.
A fraternidade foi fundada em 1994 pelo Padre Roberto José Lettieri, na época um seminarista, na cidade de Campinas, interior de São Paulo. São 66 casas no Brasil, 2 no Equador e 1 em Portugal. São divididas em masculinas e femininas, respectivamente Filhos e Filhas da Pobreza do Santíssimo Sacramento. A primeira no Ceará foi aberta em 2003.
Café da manhã recheado
Chegamos pouco antes do café da manhã, especial, diga-se de passagem. Era aniversário de um dos 37 moradores. O velhinho encurvado pela idade de nome Zebedeu completava 96 anos. A idade é incerta, afinal, muitos deles perdeu a noção de tempo. O aniversariante e seus companheiros tinham um cardápio variado com bolo de milho, biscoitos, pães, suco, leite e café.
Olhando com atenção aquele momento já era possível traçar um breve histórico daqueles homens que festejavam mais um dia de vida: idosos, problemas mentais, ex-moradores de rua e sem vínculos com as famílias. Outra característica comum entre eles é atenção que cada um recebe dos irmãos, como são chamados os religiosos que cuidam da Toca. Ao todo são dez. Um deles é o piauiense de Teresina, Ubirajara Paiva, há sete na caminhada religiosa. Por aqui ele é o irmão Simeão Maria do Divino. A prática da mudança do nome civil para um religioso é comum em fraternidades e ordens da Igreja Católica. “Sempre me identifiquei com a Igreja e com os movimentos religiosos. E foi entre os irmãos da Toca de Assis que eu encontrei a oportunidade de servir a Deus e aos mais necessitados”, explica o homem de 43 anos, sob as aparentes pesadas vestimentas marrom, cor herdada do patrono São Francisco de Assis, assim como o corte de cabelo, famoso entre os frades.

EM BUSCA DA FRATERNIDADE
Irmãos Vicente, Armando e Zulena Dantas
Apesar de quase duas décadas de existência a Toca de Assis ainda não foi reconhecida como ordem religiosa pela Santa Sé, como são há séculos os Frades Menores franciscanos. Outro religioso, irmão Vicente de Paulo, explica que recentemente a fraternidade foi elevada a instituto de vida consagrada. Ele nos mostra a cópia do documento com a chancela de Dom Bruno Gamberini, arcebispo de Campinas. Independente dos trâmites burocráticos do Vaticano a vida por aqui segue na missão de “tornar Jesus Sacramentado conhecido e amado, tonando-O, ao mesmo tempo, reconhecido nos irmãos mais pobres”.
Para manter tudo em ordem e funcionando são necessários muitos recursos. Doações, parcerias e muito esforço fazem parte do quotidiano. Curiosamente quem cuida da captação desses recursos é a única mulher – com exceção da cozinheira Selma – a transitar pelo local. Zulena Dantas está há dois anos na Toca captando verba e patrocínio para que o espaço continue funcionando. É ela que dá o toque feminino na casa. “Depois desse tempo à frente da captação me tornei especialista em pedir ajuda”, brinca. “Afinal, são remédios, alimentos, transportes, atendimento médico e por aí vai”. A pesar da dedicação à Toca, Zulena é casada, é mãe e ainda está à frente do movimento em sua Paróquia que assiste, com aconselhamentos, casais recém casados. Na Toca, sempre estamos na presença de alguém. Nossa conversa, por exemplo, foi atentamente observada por Lessie, a cadelinha roliça da casa que também sabe pedir, com o olhar, um pouco de atenção.

ORANDO E TRABALHANDO
A bela Capelinha. Sobre o altar, O Santíssimo
                Historicamente, as Ordens Franciscanas são conhecidas pelo trabalho na sociedade. Eles estão no Brasil, por exemplo, desde o início, com a celebração da primeira missa por Frei Henrique. Portanto, há diversos relatos da participação ativa desses religiosos na construção prática e espiritual dos brasileiros. Os irmãos da Toca mantém tal filosofia que une trabalho e oração.
A marca
O Patrono
A capela da casa é pequena, porém, muito bela. A decoração sacra e o altar são de madeira envernizada. Chegamos durante um dos momentos de adoração ao Santíssimo, exposto sobre o altar. Aliás, a cada hora, pelo menos um dos irmãos se recolhe para orar e meditar no silencioso espaço. Quem nos fala sobre o trabalho é o superior, irmão Armando, 31 anos, natural de Cornélio Procópio, Paraná. “Todos os sábados saímos pelas ruas da cidade para oferecer ‘quentinhas’ com refeições aos irmãos moradores de rua. Muitos estão debilitados, com ferimentos e até doentes. Tentamos minimizar essa situação”, explica. O religioso lembra também de ações como cortes de cabelo, barba e higiene que são levadas até os moradores de praças e calçadas, além da emissão de documentos (muitos dos moradores de rua simplesmente não possuem qualquer registro legal), encaminhamento para postos de trabalho e até tentativas de reunir novamente quem foi abandonado com suas respectivas famílias. “Nossos irmãos de ruas não têm qualquer autoestima e tentamos mudar isso também, sempre trazendo o conforto para o corpo e para o espírito através de uma palavra amiga, de orações e da leitura do Evangelho”, ratifica.
                Irmão Armando, aliás, é um bom exemplo da importância da formação religiosa. Apesar de confessar vir de uma família católica não praticante (os pais ainda relutam em aceitar sua escolha de vida), ele revela que desde a infância sentiu atração pelos movimentos da Igreja. A opção pelos pobres, acredita, nasceu quando ainda era criança. “Na cidade onde fui criado, a pequena Macatuba, interior de São Paulo, havia um único morador de rua. Lembro de sempre vê-lo vagando e se alimentando das sobras de uma padaria. Aquilo sempre mexeu comigo”, relembra. “Tive uma vida normal de estudo e namoro, mas sempre sob os princípios cristãos. Há 11 anos conheci a Toca de Assis e aqui estou feliz, há oito anos”.


“ELES SÃO MINHA FAMÍLIA”
Reginaldo Ramalho
             ao som do Roberto
Atualmente a Toca de Assis já está no limite de sua capacidade de acolhimento, afinal são quase quarenta homens adultos que se alimentam, tomam banho, dormem e usufruem da casa. A pobreza existe no lugar, mas é digna. E todo empenho no servir vai cativando quem permanece. Como já foi dito, a grande maioria vê a vida passando através da luz de uma realidade que não é mais a da maioria das pessoas. Com a mesma facilidade eles riem, choram, cantam e às vezes se perdem num mundo que é só deles. Reginaldo Ramalho, por exemplo, diz que foi trazido por uma tia. Intitula-se como um “bom lavador de pratos que deixa tudo limpinho”. Seu principal passatempo é ouvir músicas em seu radinho portátil vermelho, tão pequeno que cabe facilmente no bolso de sua camisa. “Meus preferidos são Roberto Carlos e Luiz Gonzaga, mas gosto muito de rezar o terço como meus irmãos. Todos são bons para mim!”
“Estou à disposição!” Quem se oferece para entrevista com um sorriso simpático é outro morador, Aurélio Romão. Segundo ele, veio de Santo André, São Paulo, “porque Deus chamou”. Os devaneios afloram: “Minha mãe gostava muito do Padre Cícero. Por isso morei lá em Juazeiro” (Juazeiro do Norte, Região do Cariri cearense). “Dormi nos bancos das praças e depois vim pra cá. Aqui eu sou feliz e eles, os irmãos, são a minha família”, sorri, abaixando a cabeça, revelando os poucos cabelos brancos.

Serviço
Se você quer ajudar ou conhecer mais sobre a Toca de Assis
acesse o site www.tocadeassis.org.br ou visite a casa
na Rua Francisco Vasconcelos Júnior, 08, Passaré, Fortaleza
ou ainda pelo blog tocadeassisoficial.blogspot.com
O e-mail de contato, em Fortaleza é, fortaleza@irmaos.tocadeassis.org.br
E os telefones são 85-3291 5485 e 3232 5277.