segunda-feira, 7 de junho de 2010

CRÔNICA


OLHARES URBANOS
Um relógio na parede. O primeiro encontro
matinal. O olhar semi-serrado. Pelas pálpebras,
o flerte com a hora. Os raios do sol que passam
pelas frestas da janela se alongam, lambendo o
piso do quarto, os lençóis da cama e os rostos.
O banho. O café. O olhar sobre aquela que
ainda dorme. A saída e o caminhar por entre
árvores - tão poucas; entre pessoas - tão
distantes; entre automóveis - tão frios.
Um banco de ônibus. “Olha o troco!”
Estranhos dividem o mesmo espaço, o mesmo
quadro; o mesmo olhar sobre a mesma paisagem,
diariamente. Rostos familiares, asseados,
sonolentos, buscam um motivo que os
impulsione, que os faça perseverar naquela
rotina. Trocam-se olhares. Banco duro e vazio
do lado da janela. “Com licença?” Desconforto
democratizado. Olhos tombam vencidos ainda
pelo cansaço do dia anterior. Olhar a hora. “Que
horas, por favor?”
O canto dos pássaros, o som do vento que
assanha as árvores. O riso das crianças. Um olhar
para o passado. A cidade que cresce. Não, a
cidade que incha; que se derrama e que invade.
O olhar sobre o presente. Mas não um
presente qualquer, o presente do modo
subjuntivo: “que eu olhe um mundo melhor”. O
canto das buzinas, o som dos motores, as vozes
que reclamam. Olhando o meu mundo. O banco,
a janela emoldurando a paisagem de ontem, de
amanhã e, quem sabe, do mês que vem; do ano
que vem. Os olhares não se cruzam mais. Viraram
cativos dos devaneios, das leituras ou
simplesmente do sono. A luz, o sol e o calor
participam da leitura. Eu, o sol e entre as mãos,
um Fernando Sabino com folhas soltas, gastas e
amareladas. O olhar que passeia pelas estradas
literárias, pelos campos de verbos, sujeitos e
predicados sempre bem iluminados pela manhã,
numa terra de sol, de luz e de mar. A minha
terra.